quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Aquele homem...

Há certas coisas na vida que não têm explicações, simplesmente acontecem. A história que segue é uma delas.


Era meio dia e meia, do mês de abril. Eu estava indo para a escola onde trabalho como professora de Língua Portuguesa, quando um homem, do outro lado da rua, parou-me:
- Ei, você! Dá pra me ajudar a atravessar a rua?
Fiquei um tanto quanto assustada, pois o homem, embora tivesse deficiência nas pernas e usasse uma bengala, era perfeitamente capaz de atravessar a rua sozinho, mesmo porque, a rua era pequena e não era movimentada. Olhei então para sua cintura, a fim de saber se portava alguma arma. Depois olhei-o todo: era um homem bastante magro, de pele bronzeada de sol, cabelos negros e usava bigode. Nunca fui boa para idades, mas aparentou-me uns quarenta e poucos anos. Como não visse algo que pudesse amedrontar-me, aproximei-me dele e estendi-lhe o braço, a fim de que ele se apoiasse. Nisso, ele parou e ficou olhando alguns instantes no fundo dos meus olhos. Depois segurou meu braço e atravessamos a rua. Passavam crianças indo à escola e alguns homens e mulheres que trabalhavam numa fábrica em frente à rua. Observaram a cena demoradamente. Quando chegamos do outro lado da rua, ele olhou-me novamente nos olhos e disse:
- Se eu tivesse um dia que me casar, casaria com uma pessoa como você. Você é uma moça muito bonita!
Quando disse-me isso, coloquei imediatamente a mão na cabeça e pensei que ele fosse um safado, um metido a conquistador, um daqueles homens que encontramos aos montes pelas ruas. Pensei até que estivesse embriagado. Porém, a firmeza com que olhava-me e mantia-se na sua aleijadez em pé impressionou-me. Ele perguntou:
- Você acredita no amor eterno?. A pergunta pegou-me de supetão e até comoveu-me. Demorei para responder. Buscava uma resposta, no mínimo, sensata.
- Depende. Ele ficou meio bravo:
- Como depende? Ou acredita ou não acredita!
- Depende do que se entende por eternidade e também de quem se ama.
- Por que de quem se ama?
- Porque às vezes acontece de termos um sentimento tão forte, tão bonito por uma pessoa e ela maltrata tanto este sentimento que ele vai se tornando dor e sumindo aos poucos. Muitos já compararam o amor a uma flor, que se cultiva. Além disso, eu o comparo a uma flor, que é frágil e de existência efêmera, cuja efemeridade depende do cultivo.
Ele disse algumas palavras em latim, outras em francês e depois:
- Ah, então você é igual ao Vinícius que diz para o amor “que seja infinito enquanto dure”?
Assustei-me dessa vez, pois citara um verso do meu poema favorito “Soneto de fidelidade”, de Vinícius de Moraes. Respondi:
- É. Aí ele disse, meio que censurando-me:
- Uma pessoa tão jovem e bonita como você não acredita em amor eterno?
- Já me apaixonei e acreditei que também amava, mas percebi que só o amor que sentia não bastava. A sociedade exige regras e conveniências e o amor é livre, não sobrevive à regras. Então ele, num tom profundo, disse-me:
- Pois saiba que eu estou cansado de amores pequenos e só quero amar se o amor que tiver for puro e eterno, porque esse é o amor que vale. Disse-me depois que tinha 51 anos.

Como eu estava com pressa para chegar à escola, pedi licença para retirar-me. Ele disse-me:
- Vá, o mundo continua suas buscas e eu a minha.

Fui, pensando naquele homem que antes causara-me medo e receio e agora curiosidade. Em outra situação, passaria horas a conversar com ele. Estou acostumada a ser parada na rua por alguém que pergunta as horas, pede informações, que pede dinheiro ou que queira vender alguma coisa, mas nunca tinha sido parada por alguém que...

...exatamente! Aquele homem, que era fisicamente debilitado, tinha a consciência sã e um estado de alma invejável. E, embora parecesse loucura, acreditava no amor puro e eterno e entre tantas coisas que acontecem na correria do dia-a-dia, nessa neurose que assombra as pessoas, que as fazem deixar de viver suas próprias vidas e não perceber as coisas que significam,

...aquele homem parou-me para falar de amor!

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