quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Devore-me!

Por Maxwell Candido


A visão do rosto dela... Com a fragrância enlouquecedora de comida, focaram nele emoções fortíssimas de ternura e fome, emoções indescritíveis...


Foi assim que os vi nesta cena quase “hollywoodiana”, pareciam esquecer o mundo a sua volta, como se não houvesse ninguém, como se aquele instante fosse o último, assim em meio à metrópole, sem problemas existentes na face da terra.
Ele: traje esporte. Ela: vestido simples, azulado. Ambos se olhavam estendido, por repetidas vezes, com um movimento lateral do rosto, só sendo distraídos por uma barraca de hot-dog, que subitamente entrou na frente dos dois. Ele discretamente deixou-se distrair pelo cheiro inevitável da comida. Estampados em sua face dois únicos desejos: a sua insaciável fome e a vontade de beijá-la... o que falava bem mais alto perante a beleza de sua amada. Os olhos exalavam sua louca vontade de agarrá-la e envolvê-la com seus braços na trama ardente que é o amor... e ao mesmo tempo de acabar de vez com a louca fome que o atormentava.
É assim: a mulher o espera imóvel, como uma mosca aguarda seu fim diante da tão temida aranha. E ele se aproxima... calculando cada movimento... cada passo... cada palavra... Fome! Voltava a lembrar de sua mais primitiva necessidade.
O cheiro do carrinho de hot-dog ao lado subia ao seu nariz como uma sinfonia aos ouvidos de Beethoven, em meio a todas as outras fragrâncias, nem sempre muito aceitáveis, num lance rápido, surge uma idéia, uma chance para a conquista: coloca a mão no bolso, retira em um movimento duas notas ligeiramente amassadas. Um pedido. Uma cena tipicamente americana em meio à metrópole bem mais que brasileira, espremendo-se e lutando por um local mais “livre” dentre a imensa multidão.
“Um completo, por favor!” Disse o rapaz, acenando logo em seguida com a cabeça, pegando seu pedido e indo confiante em direção a ela. Silêncio. Coração acelera. Ele chega perto. As palavras somem; mais um aceno. Na cabeça correm rápido todas as suas estratégias que subitamente somem, desaparecem, mas voltam como um “Dejá vu”.
“Olá?!” Disse ele em direção a ela, que afoita, se embaraçou, e com um jogar de cabelos, respondeu um singelo, porém, belo: “Oi!”. Ambos desconcertados com a presença alheia.
“Eu trouxe para você.” Disse ele entregando-lhe um singelo pão de centeio, cortado em duas fatias, com condimentos e uma imensa e gordurosa salsicha, mas que naquele momento só teria um único significado: Ele a quer, mas será que ela o quer mesmo?.
“Obrigada! Ainda se lembra dos meus gostos.” Disse ela com um sorriso no canto dos lábios. “É. Ainda me lembro bem do seu gosto.” Agora ele quem diz com um malicioso olhar: Fome! ...novamente o seu Eu primitivo o lembrava de sua necessidade. Mas agora ele só pensava em cortejá-la.
“Eu te amo!” Ela disse subitamente, abraçando-o; ele inerte, sem fala, e ainda com fome, balbuciando duas únicas palavras: “Me beije.” Dois desejos saciados em um: foi fatal!
...e assim, da mesma forma que cheguei, vi o movimento da cena: era o ônibus andando, o sinal abriu. Escuto o barulhento som do motor; buzinas; despedia-me daquela cena do “belo amor de momento” – como apelidei – que ia passando lentamente pelos meus olhos, como as nuvens cortam o céu. E fui retornando a minha vida com a cena “shakespeariana” mais brasileira que já vi.



Descrição da imagem

Bairro da Liberdade, o farol fecha. Da janela do ônibus, em meio às minhas distrações, observo um casal que aparentemente se desconhecia. Surpreendo-me com esta bela cena de amor: ele, um pobretão, afoito pela fome, prefere dar de comer a sua amada. Só depois percebi que o sentimento já vinha de longas datas.


Texto semifinalista no 7º Concurso Cultural Ler e Escrever é Preciso Ecofuturo

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